Autora: Jussara Del Moral
Vamos falar sobre sexualidade e autoestima no tratamento do câncer
Minimizar o impacto da doença no dia a dia não é fácil, mas é possível. Temas como autoestima e sexualidade impactam a qualidade de vida durante o tratamento e precisam ser tratados de forma clara e objetiva
Câncer de mama é, provavelmente, o tipo de tumor que mais assusta as mulheres, tanto por sua alta prevalência quanto pelos efeitos psicológicos e físicos que ele pode causar. Na maioria das vezes, a doença leva a alterações no corpo que afetam a imagem que a mulher tem de si própria. Sem falar no tratamento, que tem impacto direto na autoestima e na sexualidade, pois, com ele, vêm a fadiga, a perda da mama e o ressecamento vaginal, causando dor e desconforto durante a relação sexual. Que mulher vai pensar em sexo estando com dor, cansada e sentindo-se nem um pouco atraente?
Alguns tipos de câncer precisam ser tratados com bloqueio hormonal, o que tem impacto significativo na vida sexual da mulher. Temos visto cada vez mais pacientes jovens, na faixa dos 30, 40 anos de idade, sendo diagnosticadas com a doença - justamente a fase em que a mulher começa a se sentir mais madura, mais bonita, muitas até já estabilizadas emocional e financeiramente.
Ela descobre o câncer, entra na menopausa precocemente e passa a ter de conviver com os efeitos colaterais do tratamento e todos os problemas que envolvem essa descoberta. Manter a autoestima e ter uma vida sexual satisfatória, na maioria das vezes, se tornam uma preocupação secundária, mas extremamente importante, principalmente quando ela se dá conta que a negligenciou. Ou seja, no dia a dia, além de lidar com a doença em si, a mulher precisa enfrentar a falta de libido, a secura vaginal e a dor.
Um estudo publicado em 2009 apontou que 37% das mulheres entrevistadas disseram sentir ressecamento vaginal, e 24% relataram dor durante as relações sexuais. Outra pesquisa mostrou que 50% das pacientes que receberam quimioterapia disseram que o câncer de mama teve um efeito negativo sobre sua vida sexual, enquanto para aquelas que não fizeram esse tratamento o índice ficou entre 18% e 25%.
Esses dados mostram a realidade que muitas de nós vivemos e que esses sintomas são comuns a quase todas. Algumas conseguem lidar bem com essa situação, outras nem tanto. No entanto, é possível redescobrir-se ou dar um novo significado à vida. É claro que a maneira como cada uma enfrenta a doença é única, e não existe uma receita. Em minha vida, mesmo antes do câncer, sempre tive em mente que aquilo que não podemos mudar temos de aceitar e ressignificar. E, quando eu descobri o câncer, não foi diferente. Isso não significa que eu me conformei ou neguei a doença. Eu apenas entendi que há coisas que não podemos mudar e com as quais, para o nosso bem, temos de aprender a lidar e a conviver.
O tratamento do câncer muda a mulher, pois tem impacto significativo em sua aparência. O corpo, devido ao bloqueio hormonal, torna-se arredondado, e o cabelo cai. Muitas vezes, chegamos a nos olhar no espelho e não nos reconhecemos mais. Muitas mulheres, inclusive, perdem seus parceiros quando descobrem a doença e, tantas vezes, superam melhor o diagnóstico que a perda da pessoa amada. Minha meta hoje é viver bem e intensamente tudo o que tiver para viver. Minha vida sexual mudou, claro. Mas eu acredito que aprendi a lidar com minha nova realidade.
Sexo, para mim, nunca foi tabu. Sempre conversei abertamente com meus parceiros e assim sigo depois que descobri a doença. Quando recebi o diagnóstico, a primeira coisa que fiz foi tentar entender meu corpo e como ele poderia reagir diante da doença para falar abertamente com a outra pessoa, porque é fundamental que ela esteja por inteiro com você.
Mas não é fácil. Muitas mulheres desistem da vida sexual, porque é trabalhoso reaprendê-la. Para se relacionar com alguém, ela precisa, antes de qualquer coisa, estar bem com ela, aceitar-se. Eu tenho problemas com minha aparência, com as mudanças em meu corpo, com a queda dos meus cabelos. Mas tenho uma coisa mais forte e mais importante que tudo isso: a vontade de estar inserida no mundo, de viver, de me sentir útil para as outras pessoas.
Eu não perdi a vontade de viver. Tenho muitas coisas que quero realizar, e isso me motiva a continuar viva. A mulher que está em tratamento dificilmente se sente bonita. A questão está em aprender a gostar de si mesma sem cabelo ou estando com alguns quilos a mais. Estar bem consigo mesma depende só de nós. Ninguém pode fazer isso por você. Viver é um ato de coragem para qualquer pessoa - esteja ela com algum problema de saúde ou não. Todos nós temos sonhos, planejamos diversas coisas para nossa vida, e, quando algo como o câncer chega, o primeiro pensamento que temos é que nada mais será possível. Para muitas de nós, não será mesmo, mas temos o dever, enquanto vivas, de tentar ao máximo fazer com que nossa existência, depois do diagnóstico, seja aquela que desejamos na nova realidade.
Uma amiga sempre me diz: “os sonhos são ajustáveis”. A doença não significa o final – ela pode ser o despertar de novas habilidades e de um processo importante de autoconhecimento. Quando eu entendi que eu não era a doença, que eu era a Jussara, aprendi a lidar melhor com o câncer e a ressignificar tudo o que envolve estar viva: trabalho, amigos, relacionamentos.
Jussara Del Moral é idealizadora do canal SuperVivente, no YouTube. Recebeu o diagnóstico de câncer de mama há 13 anos.